Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Relatos...

Babayogi

Hoje, 17 de maio, celebrei missa na capela de Santa Bakita, no bairro Babayogi. Capela extremamente pobre, tanto material como espiritualmente.

Na aldeia, muita gente fora de casa, preparando um pouco de comida. Infalivelmente, folha de aipim, muchicha e vi também muitos escargots,que eles buscam no mato. Tudo isso, fora de casa. A cozinha é sempre fora.

Babayogi não difere de outros vilarejos da “brousse” (interior) congolesa. Mas o que me chamou a atenção foi a pobreza espiritual dessa capela da margem esquerda do Rio Congo. Antes da missa, o presidente e o catequista conversaram comigo. Muito desanimados e tristes comentavam que não havia nenhuma criança na catequese, apesar do numero enorme de meninos e meninas na aldeia. Para o culto dominical e mesmo para a missa, estão presentes o catequista, o presidente, quatro senhoras, alguma criança e mais nada. Todos os outros passaram a freqüentar outras religiões ou seitas ali existentes.

Perguntei o motivo dessa deserção. A resposta: por causa do tempo de preparação para a primeira comunhão, por causa da dificuldade do batismo e por causa da comunhão.

Tempo da catequese

Devo explicar um pouco o que significa tudo isso. São três anos de preparação à primeira Eucaristia. Para eles é muito tempo. Muitas garotas, durante esse tempo são já adolescentes e muitas já grávidas. Por isso abandonam a catequese. E os outros catequizandos não são perseverantes. Abandonam a catequese. Querem uma preparação mais rápida, superficial. Um vapt/vupt diríamos nós, usando o linguajar de Jô Soares.

Batismo das crianças

Segundo as normas da arquidiocese de Kisangani, para batizar os filhos é preciso que os pais sejam casados na Igreja. Aqui, outro problema: o casamento religioso. Grande parte dos casais estão apenas amasiados, como dizemos nós. Coabitam sem se casar no civil ou na Igreja. Por quê? Uma das razões é a taxa que devem pagar para a realização desses casamentos e ainda o dote que o noivo deve dar à família da noiva.. O dote é bem pesado. Em geral é em espécie. O noivo deve dar à família da noiva, por exemplo, 10 cabras, tantos quilos de arroz ou de feijão, bananas, bebidas; há casos que pedem vacas e cabras, mais o vestido da mãe e o terno do pai da noiva. As exigências variam muito e, às vezes, de acordo com as qualidades da moça. Muitos não têm como dar esses dotes. Mesmo se for à prestação; se essas não forem cumpridas, a família retira a filha do esposo. O casamento é questão das famílias, não apenas dos noivos.

Esses pais amasiados só podem batizar o primeiro filho (a). O segundo(a) e os demais só serão batizados após o casamento religioso. E isso é difícil.

A comunhão

Na Igreja católica, os que não são casados no religioso não podem comungar. Nem os polígamos. As seitas admitem à “comunhão” mesmo os que não são casados religiosamente e até os polígamos. Ora, os que vivem essa situação irregular e desejam “comungar” se refugiam nessas igrejas que lhes permitem “essa comunhão”.

A missa

Os dois senhores que conversaram comigo, queriam fazer apenas um culto. Disse que não. Iríamos celebrar a missa, mesmo com poucas pessoas. Assim foi feito. Começamos com 4 pessoas. Mas aos poucos foi chegando mais gente; algumas senhoras, alguma criança e, de repente, entrou uma caravana toda que veio da capela vizinha de São Carlos, com seus instrumentos musicais e com um entusiasmo contagiante. A capela ficou cheia. Os cânticos bem animados. Outro clima se criou. Para mim foi uma surpresa agradável. Com maior participação, a gente tem maior vontade de celebrar.

Para terem uma idéia da nossa real situação, a coleta de hoje, rendeu menos que um dólar (630 francos congoleses; o dólar vale 800 FC). Mas não é por isso que vamos deixar de visitar as capelas do interior.

As velas do altar

No fim da missa veio um senhor me pedir as duas velas do altar. Em sua casa não tinham mais o “petrole” ( querosene) para a iluminação. Energia elétrica é uma raridade.

A volta

A missa terminou pelas 12 horas. Não nos ofereceram almoço. Partimos. A viagem rio acima foi penosa. O rio estava cheio. A correnteza forte. Dois remadores apenas. Íamos ao longo da costa, apoiando-nos nos ramos de árvores ou nos bambus pendentes sobre o rio. As árvores e os bambus serviam de apoio para impulsionar a canoa, pois os remos eram insuficientes. Em alguns momentos, a canoa recuava ou ficava parada, pois os remadores não davam conta de vencer a correnteza. Em 4h45m percorremos 5 quilômetros rio acima. Admiro a valentia desses remadores. Encontramos no percurso outras pirogas. Uma me causou medo. Vinha cheia de folha de aipim, carvão, bambus e ainda com passageiros, crianças e mulheres. Ela estava toda inclinada para a direita. Dava a impressão que, de uma hora para outra, iria virar. Os remadores eram valentes e corajosos. A canoa, apesar do peso, deslizava lentamente sobre as águas. Quando nos ultrapassou, bateu em nossa piroga. Pensei: ela vai virar. Que nada! Continuou firme sua viagem.

Depois dessas longas e intermináveis horas, começamos a atravessar o rio. No outro lado, nossa Land Rover me aguardava para percorrer os dois quilômetros restantes até chegar em casa. As capelas que visito não ficam longe de casa. Mas a viagem de canoa é lenta. É preciso ter muita paciência e bastante saúde também para ficar todas essas horas mal acomodado numa canoa pouco confortável. Mas vale a pena viver essas aventura, por causa dELE. Não me queixo. É bom.

Um questionamento

Nessas longas horas de viagem monótona, temos tempo para rezar e para pensar. Muitas vezes fico remoendo em minha mente, como resolver esse grave problema que enfrentamos: como evangelizar eficazmente numa realidade em que as pessoas estão só pensando em ganhar alguns trocados para continuar hoje a viver, porque amanhã não se sabe o que vai acontecer...? É realmente um questionamento intrigante. O que existe aqui é a preocupação de sobreviver. A maioria absoluta das pessoas que nos procuram não é para aconselhamento espiritual, para uma conversa amiga. É para pedir dinheiro: para a escola, para o hospital, para o aluguel da casa, para comprar semente, leite para as crianças, sandálias, roupa, chapéu, remédios etc. etc. Eu me pergunto: anunciar o evangelho para quem está de barriga vazia? Doente, sem recursos? Sem roupa para vestir? Sem casa para morar? Uma estatística da Unicef revela que entre 10 crianças congolesas 7 vivem abaixo do nível de pobreza, isto é, vivem com menos de um (1) dólar por dia. Em Kisangani, segundo a Caritas diocesana, existem 5.000 órfãos e órfãs. Fora naturalmente os órfãos de pais vivos, coisa muito freqüente aqui. Se não existe um mínimo de condição humana é difícil anunciar a Boa Nova do Evangelho. Como vou falar de Deus que é Pai bondoso para a mãe cujo filho chora de fome? Como vou dizer que Deus é providente para o pai que está desempregado há anos e faz algum biscate para sobreviver, com sua esposa e filhos?

Eis o questionamento que me faço continuamente. Essa realidade me faz sofrer mais que tudo o resto. O resto não é nada em comparação da dor dessa realidade.

Tenham muita paz no coração e na família. Um abraço.

Kisangani, 17 de maio de 2009

P. Osnildo Carlos Klann, scj

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