Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

Para entrar em contato, escreva para ocklann@yahoo.com.br

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Nkunda em Goma

Depois de ler a mensagem que me veio da Embaixada brasileira na RD do Congo, tentei telefonar para outro brasileiro, P. Vilson Hobold. Infelizmente, notei que não tinha mais créditos ( unités) em meu celular. Peguei, então, minha pequena mobilete e me pus a caminho.
As coisas pareciam diferentes, no percurso que fiz de uns cinco quilômetros. Olhava com atenção os buracos da estrada, para não cair neles, mas minha atenção estava voltada para outro lado. As pessoas me pareciam estranhas... Como sempre circulavam em grande numero pela estrada, ou em tolekas (bicicletas-taxi) ou a pé ou de moto ou, poucos, de carro. Tinha a impressão que todos viviam o mesmo momento de preocupação que eu, e corriam depressa para as suas casas, procurando segurança..

Pela primeira vez, em minha vida, me senti dessa maneira. Sensação estranha, num país estranho. O pensamento voava longe e tentava responder: como fazer se, de fato, o previsto pela embaixada acontecesse? Aonde ir? Onde esconder as coisas mais necessárias? Como ajudar o povo? Qual seria minha reação diante de uma realidade assim?

Nesse ínterim, cheguei à casa do provincialado, perto do centro da cidade. Encontrei o P. Vilson. Li para ele a mensagem. Ele me tranquilizou. É preciso guardar a calma e esperar o desenrolar dos acontecimentos. Telefonamos para outro brasileiro, P. Mateus, que estava de aniversário naquele dia. Depois de parabenizá-lo, li para ele a mensagem da embaixada: “Devido os recentes acontecimentos no leste da RD do Congo, o Ex.mo Sr. Embaixador do Brasil recomenda que ultimem estoques de alimentos e preventivamente arrumem suas malas conforme recomendado pela equipe de segurança” . Do outro lado da linha, o aniversariante só deu uma gostosa gargalhada e disse: “nós já estamos acostumados a essas cosias! Não se preocupe!”

Esse diálogo me tranquilizou; as notícias que acabava de receber do leste congolês eram alarmantes: os revolucionários tinham entrado já na cidade de Goma e a população estava fugindo em massa.

Dia seguinte veio outra noticia: o general revolucionário Nkunda não entrou ainda na cidade de Goma, importante centro comercial do leste congolês. Está a uns quinze quilômetros distante, mas o exército congolês, como sempre, já se pôs em fuga, ficando só as tropas da ONU na cidade para defender quem lá ficasse. Infelizmente o exército da ONU é pequeno para conter o avanço das tropas revolucionárias.

Enquanto isso, os grandes desse mundo se reúnem na ONU, em Nova Yorque, para discutir o que fazer. Como tem muitos interesses em jogo, não tomam decisão urgente para ajudar o povo. Vão fazer nova reunião, penso, amanhã, para não resolver, de novo, nada. E o povo continua fugindo, perdendo tudo, sendo violentado, espoliado, deixando pelos caminhos por onde passa, com seus míseros pertences, a esperança de dias melhores, de paz e de prosperidade que os políticos sempre prometem em tempos de eleições.

Não posso compreender como as nações fiquem indiferentes diante dessa tragédia humana. Se fosse para proteger a vida de algumas focas ou alguns animais haveria uma movimentação intensa de todas as partes, para salvá-los (o que seria justo). Mas para salvar milhões de vidas humanas não se tem muita pressa.. E se fica indiferente.

Não consigo entender também como é possível que a estúpida ganância de poder de um general tutsi se impõe tão descaradamente diante das autoridades do mundo inteiro, desafiando-as. Certamente atrás desse general que recebe ajuda exterior, há muito interesse mesquinho, talvez de grandes nações. A RD do Congo não cessa de acusar o vizinho pais Rwanda de patrocinar essa guerra, com o intuito de alargar suas fronteiras.

No dia de hoje, informa-se que há um cessar-fogo, mas a cidade de Goma está praticamente paralisada. Nada funciona: escolas, comércio, indústrias. Nkunda está lá pronto para se apossar dela e de outras cidades também. Que Deus nos livre desse revolucionário tutsi!!!
Nós aqui, em Kisangani, estamos ainda em paz, mas isolados. Por causa da guerra no leste, não temos mais comunicação aérea com a capital Kinshasa. Dificílimo também viajar para qualquer outra cidade do interior. Para o leste, nem pensar.

Voltando à mensagem da embaixada, louvo e agradeço a preocupação de nosso embaixador pela segurança dos brasileiros daqui. Mas partir, certamente a gente não iria, nessas circunstâncias. É preciso ficar com o povo!

Kisangani, 31 de outubro de 2008
P. Osnildo Carlos Klann, scj

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Ainda a guerra no leste congolês


Acompanho com tristeza e preocupação os acontecimentos do Leste congolês. Diariamente abro o site de Okapi para ver a evolução dos fatos.

Ontem, o Estado-Maior das Forças Armadas Congolesas (FARDC) fez veemente apelo, um ultimato, ao Grupo FDLR ( Força Democrática de Libertação de Ruanda) para obedecer às declarações de Nairobi (Kenia), voltando para casa (Ruanda) ou permanecendo na RD do Congo, mas como exilados e não como guerreiros. (Em Ruanda eles são perseguidos).

Esse grupo é constituído essencialmente de hutus e de antigos soldados revolucionários de Ruanda e de milicianos interahamwe, que combatem também contra o governo ruandês e provocam a desestabilização do Leste congolês.

O comunicado das Forças armadas da RD do Congo adverte que, se a FDLR nâo obedecer ao processo de Nairobi* terão que endurecer para restabelecer a estabilidade e a paz na região dos Grandes Lagos, com a ajuda das forças da Monuc (Missão da ONU no Congo).

O comunicado diz o seguinte: “ Tratando-se de grupos armados ruandeses, a FDLC e outros, o Estado maior das FARDC da Republica democrática do Congo com o precioso apoio logístico da MONUC, já deslocou, nesses dias, para as províncias do Norte Kivu e Sul Kivu, 11 batalhões de nossas Forças armadas, para restabelecer a autoridade do Estado e pôr em pratica o plano militar contra esses agrupamentos ilegais”.

O Leste congolês é um ninho de grupos guerreiros que disseminam o terror, o medo, a destruição naquela área, derramando muito sangue inocente, como exclamam indignados os bispos congoleses: “Até quando a nossa terra deverá ainda ensopar-se no sangue de seus filhos e filhas?”

Eles denunciam também com coragem o que está por detrás de todas essas lutas: encobrir o roubo dos recursos naturais do país e a exploração ilegal e criminosa de suas riquezas. Não temem os senhores bispos de pôr o dedo na chaga, apontando um plano desestabilizador da região: “balkanizar” o pais congolês pela criação de pequenos Estados como aconteceu na região dos Balkãs, na Europa. E com veemência, eles reagem: “A Conferência Episcopal nacional do Congo lembrará sempre que a integridade territorial, a intangibilidade das fronteiras e a unidade nacional da RD do Congo não podem ser negociadas”. Em sua declaração do dia 13 de outubro passado, os bispos condenam energicamente o nefasto e intolerável recrutamento de crianças para a guerra e tocam num outro ponto fundamental das relações humanas: nâo pode haver paz sem justiça. “A impunidade encoraja novas veleidades insurrecionais”. Não a justiça por aqui.

Em todo esse emaranhado de acontecimentos tristes e dolorosos, perpassa a onda nefasta da corrupção. É o que acabo de ler no noticiário de hoje (23.10): a assembléia nacional criou uma CPI para verificar os possíveis desvios dos fundos destinados para as tropas que lutam no Norte Kivu e a ajuda humanitária enviada para os refugiados de guerra. Infelizmente aqui a corrupção já está institucionalizada. Nada se realiza sem ela.

Que a paz habite em nossas fronteiras!

Kisangani, 24 de outubro de 2008

P. Osnildo Carlos Klann, scj
Foto: refugiados de Goma, cidade do leste congolês

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Noticias de Kisangani

Festa do padroeiro


Dia 28 de setembro celebrou-se a festa do padroeiro da paróquia São Gabriel. As festas daqui não têm o sabor das de lá. Apenas uma missa mais solene; às vezes, desfile das pastorais e movimentos da paróquia, e um almoço. Mais nada. A missa foi bem solene. Um colega meu filmou algumas partes dessa celebração. Vou enviar algumas copias com o P. Mateus Buss, que fará suas férias a partir de 15 de novembro p.v. Na missa foram inauguradas as novas vestes dos coroinhas e das “joyeuses”, cujo tecido e confecção patrocinei com o dinheiro que benfeitores dali me deram. Também colaborei com o almoço, caso contrário não sairia.

Capitulo provincial

De 9 a 16 de outubro esteve reunido aqui no Centro Dom Grison, os membros do capitulo provincial da Província Congolesa. Para quem não conhece nossa estrutura jurídica, o capitulo provincial é a autoridade máxima de uma província religiosa, onde se tomam decisões importantes para vida da Congregação em determinada parte do mundo. Esse capitulo também tem a finalidade de preparar o capitulo geral que acontecerá em Roma, no próximo ano. Na foto os participantes do capitulo.


As estradas do Congo

Realmente é uma vergonha o sistema rodoviário da RD do Congo. Os chineses vieram para cá para solucionar o problema; mas ainda não tiveram tempo de consertar estradas e abrir novas rodovias. Nossos colegas de Butembo e Mambasa, do leste e do norte da RD do Congo, vieram para a reunião capitular de carro. Estrada que os chineses estão consertando. Bons trechos já estão prontos. Mas ainda faltam uns 70 quilômetros. 700 quilômetros de infortúnio. Dois dias de viagem. Se fosse só isso não era nada. Mas o pior é que tombaram o carro, por sorte ninguém se feriu. Depois, no trecho inacabado, alugaram motos. Motoqueiros admiráveis que não têm medo de buracos que engoliam as motos nem de água que tocava até os joelhos de todos. Muitos quilômetros a pé, caminhando com lama até meia canela. Depois de um pernoite em que tiveram de dormir com roupa completamente suja de barro, e molhados, pois naqueles cafundós não existe chuveiro, continuaram a viagem até onde foi possível pegar novamente um carro, que os foi buscar, partindo de Kisangani. Depois de dois dias de viagem, chegaram aqui em casa extenuados, sujos de barro até a cabeça e se lembrando ainda do susto do desastre com o carro, que poderia ter levado a todos para o cemitério.

Não é fácil sair de Kisangani. “É preciso muita paciência. Seminaristas de Isangi estão aqui hospedados em nosso Centro D. Grison, esperando a oportunidade de viajar até Butembo, no leste. Têm de esperar 10 dias. Chegaram domingo passado e só terça-feira que vem provavelmente terão condição de continuar a viagem.
Nossos colegas que vieram de outros lugares para o capitulo provincial, ainda estão por ali, esperando a oportunidade para voltar para suas casas. Outros colegas que deveriam ter participado da reunião, não vieram, porque não tiveram chance de pegar um avião.
Viaja-se também pelo rio. Mas é um calvário. O passageiro tem de levar tudo. O navio só oferece o local; comida, leito, cadeira para sentar, tudo, tudo o passageiro deve carregar. Uma viagem de Kinshasa para Kisangani (1000 quilômetros aproximadamente) leva “apenas” três semanas. Na foto, vocês poderão ver um desses navios que faz o trajeto Kinshasa e Kisangani.

Na foto abaixo aparece uma parte de um mercado aqui perto de casa.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Guerra no leste de Congo

Meus amigos e amigas brasileiros, estou lendo no site radiookapi.net, da RD do Congo, artigos alarmantes sobre a guerra que se alastra no leste congolês, mais precisamente em torno da cidade de Goma e Rutshuru, no Nord Kivu. As forças armadas da RD Congo travam combates duros contra os revolucionários liderados por Nkunda, que à força, quer tomar o poder nesse pais. Segundo acusações dos delegados congoleses na Onu, Rwanda, país vizinho e adversário do Congo, sustenta os revolucionários. Localidades inteiras daquela região já se deslocaram, esvaziando suas casa e se refugiando onde podem.
ONGs humanitárias dizem que não sabem exatamente onde milhares e milhares de pessoas estão se escondendo e, por isso, não podem ajudá-las. Tem-se a impressão que a MONUC( missão da ONU no Congo), que atua naquela região, é impotente diante da ferocidade da luta, ou, segundo alguns, está conivente com os revolucionários. Não se sabe ao certo porque a ONU não consegue impor uma paz naquele Estado tão sofrido.
Em Goma, as ruas da cidade ameaçada de ser dominada pelos revolucionários, hoje estão vazias. Nada funciona. Todos os credos religiosos, católicos, evangélicos e mulçumanos, se uniram para fazer orações pela paz.Mesmo aqui em Kisangani, houve passeata, no dia de hoje, protestando contra a guerra e pedindo a paz.
Certamente o mundo não conhece essa triste realidade que vive esse sofredor povo do leste congolês, com tantas guerras e lutas. Os refugiados já são milhares e milhares, sem as mínimas condições de vida. Se na paz já tinham dificuldade para sobreviver, imaginem o que é agora, em tempo de guerra.Quem conhece a língua francesa e deseja seguir um pouco o desenrolar dessa triste guerra pode acessar www.radiookapi.net

Rezemos pela paz!
Por enquanto estamos em paz!
P. Osnildo, scj

Leia a entrevista de pe. Osnildo sobre "Missão" >> clique aqui

Portal DEHON Brasil

Portal DEHON Brasil
www.dehonbrasil.com