Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

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sábado, 28 de março de 2009

De novo, Butembo

Introdução

Vou dividir essas minha crônicas em duas partes. Na primeira, me ocuparei dos fatos sócio-políticos que aconteceram na RD do Congo, no período em que estive em Butembo.
Na segunda parte, apresentarei os acontecimentos religiosos locais daquele período ( 6 de fevereiro a 10 de março de 2009).

Primeira parte

A viagem

Viajar, aqui, é sempre uma temível e perigosa aventura, aqui. Não se sabe a hora de partir nem muito menos de chegar. Vivi hoje, 6 de fevereiro, esta experiência. Às 10h05 m. estava no aeroporto de Kisangani. Soube, então, que o vôo seria às 13h30m. Um banho de cadeira. Realmente partimos às 15h10m. Pequeno avião russo. Pilotos russos também. Ao entrar fui logo procurando minha mala; ela estava ali no corredor, bem no banco à minha frente. Coitada, em baixo de todas as outras, já bem amassada. O principal é que estava lá.

No inicio, o avião tremeu um pouco. Depois se firmou. A viagem foi tranqüila. Em Beni chovera bastante. Tudo alagado. No aeroporto, ninguém me esperando. Telefonema do provincial me pedia para esperar, que alguém viria me pegar. Dito e feito. Pouco tempo depois, chegou um senhor, amigo dos nossos padres, que me levou até o parking, onde pegamos um táxi até Butembo. Que viagem, meu Deus! Nunca dancei tanto na minha vida! O chofer, louco, virava para a direita e para esquerda, da esquerda para a direita, em alta velocidade, querendo evitar os buracos, que eram muitos devido às chuvas. A estrada estava péssima. Buraco, lama, água, valetas etc... A maior parte do tempo, ele dirigia pela esquerda, mesmo nas curvas e, às vezes, ia em cima dos veículos que vinham em sentido contrário, e somente no último momento desviava de novo para a direita. Eu, ali na frente, á esquerda, - pois o volante estava á direita, - tremia e gritava com ele. Mas ele nem estava ali. Ria e continuava da mesma forma. Os passageiros de trás não diziam nada.

Em Butembo, os quatro passageiros de trás desembarcaram. Fiquei sozinho para continuar a viagem.
A subida para Kiragho foi também desastrosa. Era já noite feita. A estrada cheia de buracos, valetas e barro. O carro dançava. Nesse ponto o chofer era firme. Me dizia: “se soubesse que a estrada estava assim, não teria aceitado essa viagem.” Eu estava em duvida quanto ao caminho para o noviciado. E o chofer mais ainda. Mas graças a Deus, acertamos. Pelas 20h10m. desembarquei finalmente em o nosso noviciado. Recepção calorosa. Não pensava que seria assim bem acolhido. Ligeira refeição e cama. Estava cansado.

Graças a Deus, apesar dos transtornos, cheguei bem, no meu destino.



O fim da guerra

Estou no Estado congolês, Nord Kivu, onde até há pouco, se desenrolava uma insana guerra. Milhares e milhares de pessoas tiveram de fugir de suas casas e aldeias.. Milhares foram mortos; mulheres, casadas e solteiras, violentadas; adolescentes, incorporados aos grupos armados para lutar. Por toda a parte, a destruição, o saque, os incêndios, o sofrimento.

De repente, o grupo revolucionário o CNDP( O congresso nacional de defesa do povo) se dividiu. Num dia desses, o comandante Ntanga Bosco chegou em Goma, capital de Nord Kivu, reuniu os chefes do exército nacional do Congo e disse: “vamos assinar o tratado de paz. Nkunda não é mais o chefe. Não está agindo como se deve.” Os representantes de Nkunda, do governo congolês e os facilitadores internacionais (intermediários das negociações) estavam ainda discutindo a paz em Nairobi, Quênia, e em Goma, a paz já estava assinada. Até quando? se perguntaram muitos.

A prisão de Nkunda

Numa dessas reviravoltas incompreensíveis dos fatos, anuncia-se a prisão de Nkunda, em Ruanda. Ele justamente, que vinha sendo apoiado, em sua luta contra o exército congolês, por Ruanda, agora preso no país que o sustentava. O que aconteceu? A RD do Congo exige sua extradição. Ruanda vai extraditá-lo? Ele tem muitos crimes a pagar, mesmo perante a justiça internacional.

Soldados ruandeses, na RD do Congo

Um outro fato que causou protestos de todas as camadas sociais do Congo é a presença de milhares de soldados ruandeses em território congolês. E com a anuência do governo de nosso país. Será que Ruanda prendeu Nkunda sob condição de seus soldados invadirem o Congo, para, junto com os soldados congoleses, eliminarem o grupo armado FDLR ( Frente democrática de libertação de Ruanda), que luta contra o governo ruandês a partir do território congolês? Segundo declarações oficiais, fim de fevereiro é o prazo final de permanência dos ruandeses em território congolês. Muitos duvidam. Os congoleses têm péssimas recordações da presença dos ruandeses em seu território. As relações entre os dois países não são amistosas. Pelo contrário.

Mas a grande novidade de hoje, 25 de fevereiro, foi a retirada das tropas ruandeses do território congolês. Foi um momento histórico, pois muitos pensavam que essas tropas vizinhas jamais sairiam do país.. Graças a Deus, parece que a paz aqui no leste está se consolidando.

Outro grupo armado que foi desbaratado, ao menos em parte, é o LRA (sigla em inglês : Exército de resistência do Senhor). Grupo armado que do Congo investe contra Uganda. Congoleses e ugandeses unidos derrotaram os revolucionários.

Revolucionários reintegrados ao exército congolês

Outro acontecimento singular por aqui: terminada a guerra, os soldados revolucionários, muitos deles, se reintegraram ao exército congolês. Numa cerimônia militar de reintegração dos revolucionários, os representantes internacionais presentes, viram o comandante Bosco, que havia assinado a paz, ao lado de um ministro de Estado. Eles se retiraram da cerimônia, em protesto contra essa familiaridade de um ministro de Estado com alguém condenado internacionalmente por crimes de guerra, praticados em tempos passados. No meio de toda essa confusão não é fácil discernir onde está a verdade dos fatos.

A Monuc é um bem ou um mal no Congo?

Lendo revistas congolesas, percebo que há animosidade contra a presença da Monuc ( o exército da Onu), nesse território. Acusam a Monuc de fazer o jogo duplo, fingindo defender os congoleses e acobertando os ruandeses e os soldados de Nkunda.
Não só as revistas são contra. Mesmo as pessoas mais esclarecidas não aceitam a presença estrangeira em seu território. Acusam essas forças e essa presença de instrumentos de dominação estrangeira sobre o território congolês. A idéia da balcanização do Congo está ainda presente em muitos círculos internacionais e preocupa, inclusive a Conferência dos Bispos Congoleses, que repetidas vezes, vem alertando as autoridades sobre esse perigo.

Mas a Monuc reforçou seu contingente no território da RD do Congo. A meu ver, por enquanto, é necessária a presença da ONU nesse território. Se ela sair daqui, os grupos armados que são muitos, vão reaparecer. E as lutas vâo recomeçar.

E agora?
A guerra terminou. As famílias dos refugiados voltam para as suas casas e seus vilarejos destruídos, mas a situação sócio-politica da região não está clara.. A região dos Grandes Lagos é um pomo de discórdia; é um estopim que a qualquer momento pode estourar de novo. Queira Deus que não!
Li na revista congolesa “ Congo-Afrique” n° 429, de novembro de 2008, uma resenha do livro “ Les défis de la consolidation de la paix en RDCongo” ( OS desafios da consolidação da paz na Republica Democrática do Congo). No capitulo segundo, o professor Labana diz claramente que para se concretizar as aspirações da população congolesa por uma paz duradoura é preciso, antes de tudo, reforçar a economia, estimulando os setores privados (2); combater a corrupção (2); proteger a propriedade privada (3); vigiar para que haja uma justiça “justa” (5); tomar em consideração a questão de gênero, na administração publica do Estado, pois o papel da mulher na preservação de uma paz duradoura é importantíssimo(6); dispor de um exército forte( 7); organizar uma educação, via MCS, pela paz durável (8).
Realmente, conquistar uma paz durável, nesse pais, é um grande desafio, devido à multiplicidade de tribos e etnias, e a riqueza natural dessas terras, que estimula a cobiça de muita gente.


A solidariedade do povo congolês

Outro destaque é a solidariedade do povo congolês com os moradores do leste atingidos pela guerra. Aos poucos estão voltando para as suas casas, mas carecem de tudo, pois a guerra destruiu o pouco que tinham. A irmã do presidente Kabila está encabeçando uma iniciativa de arrecadação de ajuda às vítimas da guerra, com bons resultados. Entidades civis e religiosas, mesmo estrangeiras, se unem ao mutirão de solidariedade para socorrer a sofrida população do leste.



Duas alvissareiras noticias

Durante o periodo em que estive no Estado de Nord Kivu, o Sr. Presidente da Republica, Joseph Kabila fez uma visita àquele Estado e esteve justamente em duas idades por onde passei também: Beni et Butembo. Por toda a parte foi calorosamente aclamado, como heroi da paz.
Ele anunciou duas importantes iniciativas para a região: o asfaltamento da rodovia que liga Beni a Kisangani ( 540 quilômetros) e a extensão de energia elétrica para Beni e região a partir da hidroelétrica do pais vizinho, Uganda.
Se esses dois projetos se realizarem, teremos aqui um grande progresso. Estradas e energia, dois fatores que impulsionam o progresso.
Que esse sonho se torne realidade!

Kisangani, 23 de março de 2009
P. Osnildo Carlos Klann, scj

sábado, 21 de março de 2009

De volta à São Gabriel

Meus amigos, minhas amigas

Saudações brasileiras !

Estou de volta a Kisangani, há uma semana. Depois de curtir um mês o frio e a chuva de Butembo, volto ao calor de Kisangani. Tenho muita coisa a lhes dizer sobre minha estada lá no leste congolês, justamente, no Estado, onde acontecia a diabólica guerra de Nkunda.

De volta à minha comunidade de São Gabriel, não tive tempo para respirar. Diariamente, uma procissão de pedintes de todo tipo vem bater à minha porta pedindo ajuda financeira para seus problemas.
São adolescentes, crianças, jovens que pedem dinheiro para pagar a mensalidade escolar, pois foram expulsos da sala de aula por falta de pagamento; são pais que vem com o s mesmos pedidos, pois ainda não receberam o salário ridículo
que ganham, sempre com meses de atraso, quando ganham; são desempregados que pedem
ajuda para comprar uma máquina fotográfica, por exemplo, para poderem trabalhar, ou pás , machados, foices, para fazer uma plantação; universitários pedindo ajuda para retirar seus diplomas ou, os que ainda não terminaram os estudos, para pagar as anuidades e outras
despesas ( para passarem de ano devem dar alguma gorjeta para os professores!!!). Outros vêm pedir folha de papel para fazerem seus trabalhos escolares. Pedem tudo: caderno, lápis, régua, caneta...bola para jogar, roupa para vestir, quepes para se proteger do sol.
Inclusive, nesta semana tive um caso muito triste: uma jovem senhora grávida de oito meses, abandonada pelo marido, que foi buscar fortuna, nas minas de diamante do Congo, deixando na rua da amargura, a esposa com filho no ventre, veio me procurar pedindo ajuda, pois não tinha cama, não tinha colchão, não tinha dinheiro para pagar o aluguel de sua tapera, não tinha o que comer.
Evidentemente que não pude me furtar a essa ajuda. Telefonei para uma irmã franciscana de uma maternidade daqui para tomar todas as providências necessárias para o nascimento dessa criança. Com o dinheiro que recebi de amigos brasileiros posso dar essa assistência a essa mãe. No entanto, é só um caso, entre centenas que acontecem nesta pobre e desorganizada cidade de Kisangani.

Aqui existe a Caritas, uma seção em nossa paroquia, mas ineficiente. Aliás não há como arrecadar fundos para ajudar os outros. Pois todos são necessitados. Na verdade, não conheço, em nossa paroquia, uma família que a gente possa dizer que vai bem economicamente. Por causa dessa triste situação econômica, a realidade familiar é alarmante.

Apesar de toda essa pobreza, esse povo ainda dança e canta. As crianças são simpáticas e queridas, apesar da cara suja, da roupa rasgada e da barriga vazia.

Minha tristeza à noite é quando me lembro que não pude ajudar todo mundo; que devo caminhar ao ritmo da paroquia, controlando as ajudas, para não ser enganado, pois espertalhões existem em todas as partes. A ajuda para os alunos procuro fazer através da escola que conhece as crianças mais necessitadas. Ajudo no que posso, é verdade.

Apesar dessas dificuldades, desses ingentes problemas que machucam a gente, estou contente, com saúde e disposto a continuar em meu trabalho aqui até que minhas forças físicas permitirem;

Rezem por mim! Rezo por vocês.

Um abraço bem brasileiro a todos e a todas.
P. Osnildo

Portal DEHON Brasil

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