Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

Para entrar em contato, escreva para ocklann@yahoo.com.br

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Edição 22

Minha primeira missa
(27 de abril de 2008)

Pela primeira vez, fui celebrar missa, em swahili, numa capela do interior de nossa paróquia, no Bairro Babula, capela Nossa Senhora do Caminho ( Notre Dame de la Route), não longe do Centro de Simisimi.
Comigo foi o diácono Richard, para fazer a leitura do Evangelho e fazer a pregação, pois não consigo ainda falar o swhali nem o lingala.
Em todas as igrejas e capelas do Congo, há sempre um coral, que canta realmente com entusiasmo e canta bastante. Os cânticos são geralmente longos. Na missa, dominical cantam todas as partes possíveis, inclusive o Credo. Aqui não foi diferente. A participação dos fiéis é intensa: cantam, dançam, gritam, riem...
A capela é pequena e pobre. Durante a homilia, que o diácono fez em lingala, pois ele também não conhece ainda bem o swahili, minha imaginação voou para longe, pois não entendia nada do que ele falava. Vi-me em concelebração com o Papa João Paulo II, em sua capela particular; vi-me em concelebrações na Basílica São Pedro, em Roma. E agora aqui, na humilde e pobre capela de Nossa Senhora do Caminho. Em vez das paredes e tetos ornados de pinturas celebres, afrescos de pintores famosos, vejo o teto todo furado; as paredes sem pintura, feitas de bambu e argila, quase caindo. Em vez de vitraux com cenas biblicas, vejo janelas como de nosss prisões, so que em vez de ferro, os retângulos são de bambu. Em vez do assoalho de mármore, vejo a terra batida, irregular, cheia de buracos e pó. Em vez do altar e das alfaias de rico material, vejo um tronco rústico servindo de altar e alfaias sujas. Em vez de bancos de madeira escolhida, vejo bancos de bambu, com assentos de troncos de árvore mal cortados. Em vez do ar condicionado, um calor insuportável. Olhando para fora da capela, em vez do espetáculo maravilhoso de uma Praça São Pedro, vejo o mato crescendo, a rua esburacada, o capim ao redor da capela. Em vez de fiéis bem vestidos, com roupa de luxo, sapatos da moda, perfumados, vejo mulheres, homens e crianças, vestidos humildemente, transpirando muito e sem perfume; alguns descalços, outros de chinelos, poucos com velhos sapatos.
Mas o essencial é tudo a mesma coisa: tanto lá como aqui nessa humilde capela, onde o diácono está pregando, o CRISTO se faz presente na hóstia, não bem redonda, e no cálice nem de ouro nem de prata. O espetáculo maravilhoso do milagre da Eucaristia repete-se aqui como lá. Sem nenhuma diferença. O valor da missa não está na riqueza do ambiente, mas no amor infinito de um Deus que se faz presente no meio de nós, sob a espécie do Pão e do Vinho.
Sinto-me igualmente feliz celebrando lá como aqui. Talvez melhor aqui, pois aqui precisam mais da gente que lá.
Sob os aplausos dos fiéis, o diácono termina sua homilia e eu, feliz, continuo concentrado agora, minha primeira missa numa capela do interior da paróquia.

Pe. Osnildo Klan, scj
Kisangani, 27 de abril de 2008.

Edição 21

Rumo ao leste congolês
3a. parte

Mambasa

Mambasa é uma pequena cidade, na Província (Estado) Oriental do Congo, a 140 quilômetros a norte de Beni e a 200 quilômetros de Butembo. A Província SCJ do Congo possui ali uma importante missão.
Por insistência do P. Silvano Ruaro, administrador daquela obra missionária, aproveitei a viagem do Superior Provincial, P. Vilson Hobold, com o norte-americano P. David Szakowski, para visitar Mambasa. Valeu a pena o sacrifício da viagem não muito confortável, por estrada péssima e com o carro cheio de passageiros e de mercadorias.
P. Vilson e P. David vieram de Kisangani, no pequeno avião russo que faz, há anos, esse trajeto Kisagani-Beni. Eu parti de Butembo, num carro fretado. Durante o percurso, Butembo-Beni, enfrentamos duas terríveis tempestades, com chuva de pedra, ventania, relâmpagos... Só pensava em nossos viajantes de avião. Realmente, eles sofreram muito para pousar em Beni. Tiveram de ficar rodando sobre a cidade durante ao menos 30 minutos para encontrar uma brecha entre as nuvens carregadas e descer apressadamente no aeroporto. Graças a Deus, deu tudo certo, apesar do susto.
As 15h30m do dia 21 de março, partimos de Beni rumo a Mambasa. Estrada péssima, mas transitável. Ao longo do percurso de 140 quilômetros, pequenos e pobres lugarejos, com casas de barro, cobertas de palha. É a constante e triste realidade do Congo. Muita gente pelo caminho. Principalmente crianças, maltrapilhas, inúmeras, sem conta, brincando em frente às suas casas, em terrenos, muitas vezes úmidos, sujos; convivendo com esgotos, a céu aberto, águas estagnadas, lameira.... Depois de 30 quilômetros, entramos na espessa mata equatorial do Congo. Mesmo no meio da floresta, encontram-se vilas e grupos populacionais.
Após 4 horas de sofrida viagem, chegamos, à noite, em Mambasa. Mesmo no escuro, tive uma ótima primeira impressão de nossa missão. Aqui também não há energia elétrica. Somente motor. Fomos fraternalmente acolhidos pela comunidade de lá. Nossos quartos não eram uma “brastemp”, mas muito bons e confortáveis.


Nossa missão de Mambasa

No dia seguinte, de manhã, fui visitar as dependências de nossa “missão”. Como sempre, as missões possuem muito terreno para suas obras. Aqui são 140 hectares, nos quais se encontram: igreja paroquial, moradia dos padres, escola de segundo grau, escola profissional, oficina mecânica, um hospital em construção, pastos para criação de gado, campo de futebol e de basquete, pistas de corrida, plantação de palmeiras, soja, banana etc. Como em outros lugares, também aqui a invasão de terras é muito comum. Muitas famílias jà moram dentro da propriedade da missão.Admirei muito a limpeza em redor da escola e mesmo as salas de aula, simples, com pobres bancos, mas em ordem, bem limpo tudo. Boa impressão! Além do curso normal, com 850 alunos, há a escola profissional, onde se ensina carpintaria, marcenaria, corte e costura, mecânica. São 58 professores que ganham aqui US 120,00 ( cento e vinte dólares). Coisa extraordinária para essa realidade. ( Em Kisangani, os professores estão ganhando 45 dólares, quando ganham). P. João Paulo, que estudou teologia na Faculdade Dehoniana de Taubaté, é o diretor da escola e dá um curso de administração e política, preparando os futuros lideres da cidade. Esse curso ele fez em São José dos Campos, SP.
Nossa missão de Mambasa administra duas paróquias: Nossa Senhora do Rosário, dentro da próprio terreno da missão e a paróquia Mãe da Igreja, que fica numa vila distante, chamada Nduye, onde se encontra a tribo dos pigmeus. Por muitos anos, P. Longo, italiano, evangelizou essa tribo e agora corre seu processo de beatificação. Foi morto em 1964, na rebelião dos simbas.
O diretor geral da missão é o P. Silvano Ruaro, dinâmico empreendedor e zeloso apostolo. Com a ajuda financeira de inúmeros benfeitores da Itália, principalmente, mantém essa obra de grande importância na promoção humana daquela cidade.


Epulu

No período da tarde do Sábado santo, fomos visitar o Centro de Conservação e de Pesquisa de Epulu, um dos nove parques e reservas naturais do Congo. Dista 70 quilômetros de Mambasa, na estrada que vai de Mambasa a Kisangani, em construção pelos chineses. A estrada que vai ligar essas duas cidades, distantes 550 quilômetros uma da outra, é muito boa e em breve estará completamente concluída, faltando apenas uns 70 quilômetros. Dentro de dois meses, segundo dizem, os chineses começarão a asfaltar essa via. Assim, Kisangani ficará ligada por estrada, com outras cidades. Pela primeira vez, no Congo, viajei a 80 até 90 quilômetros por hora.
Essa reserva natural é conhecida pela raridade que guarda: os “okapi”: girafa da selva. Seu pescoço é menor que o da girafa, seu corpo se assemelha muito a um cavalo e na parte traseira possui listras brancas como as zebras. Só comem alguns tipos de ervas, que deverão estar sempre no alto, porque eles não se abaixam para comer. Esses animais são naturais do Congo e alguns se encontram em zôos americanos e europeus. Estima-se em 10.000 a 20.000 a população de okapis nessa reserva, que possui 13.762 km2 . Outra grande característica desses animais: vivem sempre isolados.
O lugar é muito bonito, ao lado do rio Epulu, mas não tem ainda uma infra-estrutura turística. Falta restaurante, sanitários, loja de lembranças... Nada disso existe ainda lá. Espera-se que a abertura da estrada Kisangani-Mambasa possa trazer um pouco de turismo para esse rico e belo centro de reserva natural..


Vigília Pascal

Às 20 horas desse Sábado santo começou a vigília pascal na paróquia N.Sra do Rosário. A celebração foi fora, em lugar apropriado, bem preparado, cercado de palmeiras com bom serviço de som, bem iluminado e com um amplo palanque para o altar.
Naquela noite, ventava muito e foi uma luta manter aceso o Círio pascal até o fim da missa.
Foram quatro horas de celebração, com muitos cânticos, danças, leituras e um impecável serviço dos coroinhas e as conhecidas danças das “joyeuses” (as alegrinhas: crianças que dançam durante a missa). Chamou-me a atenção a qualidade das leituras bem feitas pela equipe litúrgica. Foram feitos 25 batizados, durante essa celebração.
Após a celebração, que terminou pela meia-noite, comemoramos um pouco a Ressurreição e fomos logo dormir porque, domingo de Aleluia, a missa é às 7horas da manhã. Viagem de volta
A missa do domingo durou apenas duas horas. Mas foi também muito bem participada e com muita gente inclusive.Às 13h30m partimos de Mambasa, sempre de camioneta, cheia de passageiros e de mercadorias. De novo, viagem muito desconfortável tanto pela aperto dentro do veículo, quanto pelos sacolejos do carro nos inúmeros buracos da estrada.

A viagem tornou-se até agradável, apesar de tudo, pelas jocosas “tiradas” do P. Vilson, que faziam rir a “bandeiras desfraldadas”, os passageiros da grande viagem de 7 horas até Butembo (Kiragho), onde chegamos pelas 20h30m.
Depois de gostosa janta, fomos logo dormir, agora no frio de Kiragho, não mais no calor de Mambasa. Nossa viagem de volta a Kisagani aconteceu no dia 25 de abril, no velho bimotor russo. Foi uma viagem muito tranqüila de 1hora 50 minutos.



Conclusão

Foi muito enriquecedora para mim, tanto espiritual quanto humanamente falando, essa viagem ao leste congolês. Conheci um Congo um pouco diferente, mas sempre sofredor, pobre, necessitado de tudo. Vislumbrei, na região, alguns sinais de progresso e de possibilidade de melhoria de vida. Mas o caminho a percorrer é ainda longo. É preciso, antes de tudo, mudar a mentalidade e abraçar a solidariedade, deixando de lado as lutas tribais e a disputa pelas riquezas e bens materiais que essa terra oferece.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Edição 20

Prezados amigos e amigas, envio-lhes a 2a parte do artigo sobre minha viagem ao leste congolês. Antes, porém, quero fazer uma "corrigenda" ao artigo anterior. Como escrevei, as estatísticas daqui não são muito confiáveis. Na verdade, pesquisando mais, descobri, em publicação recente, que a informação do comerciante de Butembo sobre a população dessa cidade não corresponde à verdade. Ele me dizia tratar-se de um rescenseamento do tempo das eleições. Ora, em tempo de eleição pode ser que até alguns "mortos" sejam contabilizados em vista da votação!!!! A população de Butembo é de 165.333 habitantes, não de 800.000 como erradamente escrevi na primeira parte. Obrigado pela compreensão.

P. Osnildo

Rumo ao leste congolês
2a parte

Noviciado Sagrado Coração de Jesus

Nosso noviciado situa-se numa colina, a 1.700 metros acima do nível do mar, 100 metros mais alto que o centro de Butembo. E(é) uma construção nova. São 5 blocos, mais o pavilhão da garagem e da cozinha. A capela octogonal fica no centro desses blocos distribuídos à direita e à esquerda de quem sobe por um corredor que liga todas essas alas. São 32 quartos para noviços e visitantes e mais cinco apartamentos para a comunidade religiosa.
Entre as diversas construções, jardins bem cuidados, flores, grama cuidadosamente aparada, trepadeiras ; tudo isso cria um agradável ambiente de paz e tranqüilidade, ainda mais pelo local onde tudo isso se encontra : uma colina enorme de onde se tem uma visão panorâmica espetacular sobre os arredores montanhosos da região.
Fora do recinto do noviciado, dois quiosques, locais para acolher as pessoas, para fazer recreação ou mesmo para estudo e meditação. Além disso, galinheiro, estrebaria, chiqueiro, rancho e contêineres para guardar ferramentas e outros objetos. Não falta, naturalmente, um grande campo de futebol.
O noviciado possui aproximadamente 80 hectares de terra, onde se planta milho, banana, soja, batata doce, mandioca e outros produtos para alimentação. Não falta uma grande horta. Há muita pastagem para vacas leiteiras e ovelhas e uma imensa plantação de eucaliptos, aliás, arvore muito comum nessa região.
São 7 noviços e 5 postulantes. A comunidade religiosa se compõe de quatro pessoas : o mestre de noviços, o ecônomo, o responsável pela Igreja de Kiragho e o irmão administrador.
Durante os 40 dias que lá passei, dei o curso sobre nossa Regra de Vida, isto é, as normas que orientam nosso modo de ser e de agir, como religiosos, seguidores do carisma de P. Dehon.
A impressão que tive é que estava no Tabor. Lugar alto, silencioso, agradável, pois a temperatura era sempre fria e as noites favoráveis a um sono repousante. Sempre com dois grossos cobertores.
Além do curso, ocupei bem meu tempo com muita leitura, meditação, oração. Cada dia fazia meu passeio a pé, durante uma hora, subindo e descendo o morro e observando o ir e vir desse povo, que aqui também é bem sofredor.
O grande problema é a falta de energia elétrica. O noviciado tem um gerador que funciona das 18h30 até às 22h. Não funciona mais porque o olio diesel aqui é muito caro.
Há um projeto de construir pequena usina elétrica, em nosso terreno. Uma entidade caritativa da Alemanha estaria disposta a patrocinar. Por enquanto só estudo, para verificar a viabilidade do empreendimento.
A comunidade possui um carro e um caminhão. O carro estragou. Foi para Mambasa, na oficina. Mas durante todo o tempo que lá estive não tinha ficado pronto, por causa da falta de peças de recambio. O grande problema que aqui se tem é justamente a falta de peças para substituir as estragadas. Se existem são muito caras e, às vezes mais caras que o próprio objeto do conserto.


Kiragho

É um bairro de Butembo. Fica a 12 quilômetros do centro da cidade. A população, é pobre, mas trabalhadora. As casas sâo um pouco melhores que em outras partes. Hà muitas pequenas fazendas de gado : vaca, boi, ovelha, cabrito. Plantam também milho, batata doce, batatinha, aipim cujas folhas, « sombe », são base da alimentação em quase todo o Congo.
Em meus passeios diários, observava a mesma e triste cena de outros lugares do Congo : mulheres e crianças carregando pesados fardos em suas costas : lenha, batata, carvão, óleo, folhas de aipim, farinha, cebola… O mais pesado mesmo, e que faz as pobres mulheres caminharem completamente encurvadas, é a lenha que carregam, quilômetros de distância, para preparar a comida e também para aquecer as frias noites de Butembo.
Os homens transportam essas mercadorias em bicicletas e em motos. E (é) de se ver, a habilidade que têm em carregar as bicicletas de mercadorias. Como há muitos morros, na maior parte do caminho, empurram os veículos.
P. Paul, um jovem polonês, é o responsável da capela de Kiragho, que ainda não tem padroeiro, porque sua construção é recente, e a paróquia não foi ainda erigida, apesar de possuir já uma grande igreja e uma boa casa paroquial. O bispo daqui só cria paróquias com ao menos três padres. Por enquanto a província scj do Congo so dispõe de um padre para essa localidade.
Mesmo não sendo ainda oficialmente paróquia, Kiragho funciona como tal. P. Paul se desdobra para atender não só a futura matriz, como as outras capelas que são também grandes construções. Nesse sentido o povo daqui é bem dinâmico, como já escrevi na primeira parte desse artigo. São pobres, mas dão o que podem pela igreja. O padre não tem ainda carro. Faz suas viagens apostólicas em moto. As missas são em swahili, mas com oração dos fieis e também cânticos em « kindande », a língua local da região. ( Já escrevi em artigos anteriores, que no Congo há aproximadamente 242 grupos tribais e cada grupo tem sua língua própria).
Numa terceira parte desse artigo, vou descrever nossa viagem a Mambasa, onde a Província SCJ do Congo possui uma exemplar obra de promoção humana.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Edição 19

Meus amigos e amigas, estou-lhes enviando em anexo a primeira parte de meus artigos sobre minha viagem ao leste congolês. Faço por partes para não se tornar longo demais. E de desagradável leitura. Infelizmente, não lhes posso, por enquanto, enviar fotos, pois minha maquina fotográfica foi danificada ( abîmé), como se diz aqui, e não pude tirar nenhuma fotografia. Mas uns senhores italianos que passaram por lá fizeram muitas fotos e deixaram tudo no arquivo do computador de um colega meu aqui de Kisangani, que não teve ainda tempo de me fazer copia. Por isso, o atraso. Boa leitura e se quiserem fazer algum comentário ou algum pedido estou às ordens.
Um abraço. P. Osnildo

Rumo ao leste congolês
1ª parte

Finalmente, chegou o dia de sair um pouco de Kisangani. Desde que aqui cheguei, em 7 de março do ano passado, não tive oportunidade de conhecer outras cidades, alem de passar rapidamente pela capital Kinshasa, na minha chegada ao Congo. Por enquanto, não temos comunicação, por terra, com outras cidades. Aliás, pode-se chegar a outras vilas ou com moto ou bicicleta ou a pé.

A viagem

Dia 15 de fevereiro, parti para o leste congolês. Estava, de fato, muito curioso por conhecer a cidade de Butembo, sobre a qual me falavam muito positivamente, por ter uma geografia bem semelhante à do nosso Estado de Santa Catarina: montanhas, gado, pastos, bananais, temperatura baixa etc.
Fui o primeiro a embarcar no velho bimotor russo, de 18 passageiros, com malas empilhadas no corredor, apertando-me contra a parede do avião, forrada de surrados tecidos escuros. Da pequena janela, não se podia enxergar nada tanto por causa da neblina, quanto pelo vidro todo embaçado .
O vôo de 1hora e 50m foi bem tranqüilo. O pequeno aeroporto, sem asfalto, fica em Beni, cidade vizinha de Butembo. O avião parou bem ao lado do portão do pavilhão de madeira do aeroporto. As malas foram entregues ali mesmo.
Nicolas, o chofer do noviciado de Butembo, esperava-me lá com sua moto. Antes de sair, foi preciso passar pelo serviço de imigração, onde uma burocracia ultrapassada, mais uma vez, exigia o passaporte, de onde tiravam as informações que eram escritas, a mão, num grosso caderno. Além do tempo perdido, tive de pagar US 5.00 (cinco dólares), para entrar no leste congolês.
Eu e uma mala fomos na garupa da moto de Nicolas.. A outra mala pegou carona numa outra moto, para ir até o “parking”, estacionamento dos táxis da cidade.
Esperei muito tempo até completar a lotação do táxi: quatro pessoas atrás, mais uma criança e eu, na frente, ao lado esquerdo motorista, porque aqui, muitos carros têm o volante na direita.
De Beni a Butembo são 55 quilômetros. Logo ao sair da cidade começamos a subir a serra. A estrada se assemelha muito àquela entre Botuverá e Vidal Ramos: cheia de curvas, poeira, pedras e mesmo precipícios. Os bananais, trepados nos morros, dão a impressão que estou indo de Corupá a São Bento do Sul. Ainda mais que é subida da serra !!
A viagem se tornou agradável pelo espírito extrovertido de uma moça que se sentava no banco de trás, no colo de um moço, porque não havia lugar suficiente para 4 pessoas.
Ao longo do caminho vi o que até agora não havia visto no Congo: uma intensa movimentação de carros, caminhões, motos, trazendo e levando mercadorias, de uma cidade a outra. Era um sinal de progresso e de vida dessa região, que fica perto de Uganda, para onde se deslocam muitos congoleses para fazer compras e vender suas mercadorias.
Mas não faltam também, ao longo do caminho, as tolekas e as motos ou com mercadorias : banana, abacaxi, lenha, carvão, roupas, maracujás, óleo, combustível e tudo o que você pode imaginar de produtos simples da terra, ou com passageiros, na garupa.
Como nossos ônibus, no Brasil, fazem suas paradas, ao longo da viagem, assim também, nosso táxi parou num pequeno “marche”, ao ar livre. Logo que o táxi parou, uma enxurrada de pessoas, grandes e pequenas, crianças e jovens, mulheres e homens cercaram o carro, oferecendo seus produtos : balaios estreitos e longos cheios de maracujá (pequenos e roxos), banana, tomate, abacaxis e outros produtos da terra. Na primeira parada, não comprei nada. Na segunda, por insistência da moça de trás, comprei bananas e maracujás. Preço de tudo : 1.000 francos congoleses ( = 2 dólares).
As casas ao longo do caminho são ainda de bambu e barro, uma grande parte já se apresenta bem melhor com cobertura de zinco e paredes de tijolos.
Após duas horas de viagem, aos trancos e solavancos, entramos em Butembo.

Butembo

Cidade de 800 mil habitantes, segundo informação que me deu um comerciante de là, não tem asfalto nem energia elétrica.(NB. As estatísticas daqui não são muito confiáveis). Mas possui um comercio muito movimentado, onde se pode comprar produtos vindos de outros paises, como da China, de Uganda, da Arábia, de Dubai… por preço insignificante ; mas sempre estamos sujeitos a produtos piratas. Mesmo sem energia elétrica publica, à noite, o centro da cidade está iluminado, pois os moradores têm geradores elétricos.
Chamou-me imediatamente a atenção o numero de casas em construção. Casas boas, de tijolos, telhados galvanizados, belas pinturas. Além disso, muitos carros e bons carros, circulando pelas ruas poeirentas e movimentadas da cidade, que nâo possui um plano diretor e as construções são feitas ao bel prazer dos cidadãos. Vejo nesses sinais a presença da classe média surgindo, no Congo.
Outra particularidade : muitas e grandes igrejas católicas. Uma nova igreja recentemente construída, têm lugar para 5.000 pessoas, segundo informação que me deram.
O clero secular dessa diocese Butembo-Beni é numeroso : são 200 “abbés”, como são chamados os padres seculares daqui, dos quais, aproximadamente 35 estâo fora da diocese, ou estudando ou em missão, inclusive, na Itália, ou prestando serviços, como no Vaticano.
Não só o clima é diferente. Também a mentalidade do povo: eles têm iniciativas, trabalham bastante. São pobres também, mas não têm o hábito de pedir tudo. Não esperam por ajuda de outros, dos padres, por exemplo. Eles mesmos se cotizam e constroem e compram as coisas para a Igreja. Possuem um grande sentido da “prise en charge”, como se diz aqui, isto é, se responsabilizam pelas coisas da Igreja.
Butembo está a 1.600 metros acima do nível do mar. O clima é frio, durante todo o ano, e chove bastante.
Está situada numa das mais ricas regiões do país. Fica no Estado de Nord Kivu, limitando-se a leste com Uganda e Ruanda, dois paises que, durante a guerra dos seis dias, no Congo, em 2000, lutaram entre si pela posse dessas terras congolesas. O falecido presidente congolês, Kabila, pai, havia pedido a ajuda militar desses dois paises para derrubar Mobutu. Depois da vitória, os dois exércitos vizinhos ficaram aqui e brigaram entre si, pela posse da terra. A intervenção da ONU pôs fim ao conflito. Mas a tensão e o medo de novos conflitos, na região, continua até hoje, pois hà um ex-general do exercito congolês, Nkunda, um rebelde refugiado em Ruanda, que, com o apoio desse pais, faz incursões guerreiras nessas áreas, principalmente, em Goma, Bukavu e Massisi.
Recentemente, foi feita uma conferência de paz e de desenvolvimento dessa região. Oficialmente, chegou-se a um acordo. Na prática, porém, as constantes incursões dos rebeldes na região revelam que a situação de guerra continua ainda. Pois o general rebelde exige como condição de paz que o Congo expulse de seu pais todos os hutus.(NB entra aqui a eterna rivalidade entre tutsis e hutus, dos quais falarei num próximo artigo).
Além desses problemas, essa região era infestada por bandidos do grupo Mayi-Mayi, um tipo de cangaceiros, que atacavam a populaçâo, roubando, matando, pilhando as casas. Por enquanto, estão eles mais calmos, escondidos, com a presença do exercito da ONU. Mas quando as tropas da MONUC (missão da ONU no Congo) se retirarem nâo sei o que poderá acontecer.
As 18h 30, chegamos ao fim da viagem, em nosso noviciado de Kiragho (pronuncia-se Tchirao). Estava cansado. Mas contente e cheio de expectativas pelos próximos dias em Butembo.

Sobre nosso noviciado e sobre os dias que ali passei, escreverei na 2ª parte desse artigo.

Portal DEHON Brasil

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