Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

Para entrar em contato, escreva para ocklann@yahoo.com.br

sábado, 27 de junho de 2009

45 anos de sacerdócio

Ordenação
Peço-lhes licença, meus amigos e amigas, para falar um pouco de mim mesmo. Desculpem a falta de modéstia. Mas é para pedir orações. Dia 28 de junho, amanhã, estarei completando 45 anos de vida sacerdotal. Gostaria que vocês se unissem ás minhas ações de graças e meus louvores a Deus pela inestimável graça da perseverança vocacional.

Lembro-me muito bem daquele 28 de junho de 1964. A igreja matriz da paróquia São Luiz Gonzaga de Brusque, não estava ainda terminada. Mas estávamos inaugurando o novo altar. Naquele mesmo ano, Sua Excelência dom Joaquim Domingues de Oliveira, então arcebispo de Florianópolis, e nosso ordenante, festejava seu jubileu áureo de bispo, coisa rara, na Igreja. Éramos sete diáconos: Dom Nelson Westrupp, P. Valdir Vicentini, P. Walmor Zucco, P. Alirio Pedrini, P. Osnildo Carlos Klann, P. Floriano Martins (in memoriam) e Antônio Boeing (desistiu). Daqui da longínqua Kisangani, envio a todos eles, meu fraternal abraço e minhas calorosas saudações.


Minha missão
Depois de ordenado, trabalhei 40 anos no Brasil, exercendo as mais diversas funções: vigário paroquial, professor e formador, no seminário menor de Corupá, professor na Faculdade de Teologia, de Taubaté (SP), secretário provincial, mestre de noviços, superior provincial por três períodos, superior regional da Região Brasileira Meridional.

Por dois anos e meio, Diretor da formação permanente da Congregação dos Padres SCJ, em Roma.

Desde fevereiro de 2007, estou aqui na República Democrática do Congo, trabalhando como missionário, no Centro de espiritualidade Dom Grison, Kisangani.
Ao longo desses 45 anos, experimentei profundamente a misericórdia do Coração de Jesus. Como São Paulo, só posso dizer: “ Pela graça de Deus, sou o que sou”. E se consegui manter-me fiel, foi pela força de Deus que agiu em mim. Ele consegue, com pobres e frágeis instrumentos realizar sua maravilhosa obra de salvação. Se consegui fazer algum bem, foi obra dELE. Por isso, estou-lhes pedindo orações para agradecer a esse Deus misericordioso que olhou para a pobreza de seu servo e o escolheu, desde toda a eternidade, para ser seu ministro e dispensador de suas graças, entre seu povo. Se falhei em mina missão, se prejudiquei alguém – e certamente foram muitas as vezes – peço perdão a Deus e a meus irmãos e irmãs.


Nova missão
A decisão de vir para o Congo, depois de tantos anos de trabalho no Brasil e em Roma, não foi fácil. Mas não me arrependo. Estou contente aqui, apesar dos problemas e dos sofrimentos pelos quais a gente deve passar.

Depois de dois ano e meio de Kisangani, estou para mudar de comunidade e de cidade. Nosso mestre de noviços, P. Albert, foi eleito conselheiro geral da Congregação SCJ e deverá partir para Roma. Nossa província não tem um padre congolês que possa substituí-lo, no momento. Por isso, o superior provincial me pediu para ir a Butembo, ser o mestre de noviços. É a terceira vez, em minha vida sacerdotal, que recebo essa nomeação. Aceitei prazerosamente, pois conheço Butembo, no leste congolês, e tenho certa experiência dessa etapa de formação religiosa. Lá vou encontrar uma realidade bem diferente daqui. É um outro Congo, a meu ver. A começar pelo clima. Aqui temos verão o ano todo. Lá, é inverno, o ano inteiro. Aqui não se vê montanha. Lá é uma região montanhosa. Mesmo a mentalidade do povo é diferente. Lá são mais participativos, mais responsáveis, atuam melhor na comunidade paroquial; não vivem pedindo, pedindo sempre, como acontece aqui. Lá tomam iniciativas e não esperam tudo do padre.
Parto para Butembo, final de agosto, começo de setembro.


Ajuda.
No começo do ano, pedi a meus amigos e amigas, que quisessem e pudessem ajudar um pouco a custear os estudos de alunos e alunas pobres daqui, que me enviassem sua colaboração para o começo do ano escolar daqui, que é setembro-outubro. Alguns já me enviaram sua colaboração e, mais uma vez, lhes agradeço de coração. Os que desejarem, peço enviem até fins de agosto desse ano. Não mandem nada por correio ou sedex. Nada disso funciona aqui. Enviem ou pela agência Western-Union ( no Banco do Brasil), ou pela conta que a Congregação tem em Roma. Vou repetir os dados:

Titular da conta: CASA GENERALIZIA SACERD. SACRO CUORE.
ENDEREÇO: VIA CASALE SAN PIO V, 20, 00165 ROMA.
BANCO: INTESA SAN PAOLO (FILIALE 295) 00165 ROMA.
IBAN : IT85 F010 2503 2171 0000 0002186
BIC: BICTITMM
Sempre escrever: Para o P. Osnildo Carlos Klann.


Concluindo
O sacerdócio é a onipotência divina, na fragilidade humana” ( Pio XII)
Meus amigos e amigas, muito obrigado pelo que vocês representam em minha vida. Sem sua valiosa colaboração e seu decisivo apoio espiritual não estaria hoje aqui, louvando o Senhor e agradecendo-Lhe o dom do sacerdócio que Ele gratuitamente me concedeu.


Obrigado. Deus os abençoe!
Kisangani, 27 de junho de 2009
P. Osnildo Carlos Klann, scj

quarta-feira, 17 de junho de 2009

São Gabriel em festa

Não se trata de festa junina. Não existe por aqui. É festa religiosa. Muito concorrida. Principalmente, por causa da presença de S. Excelência D. Marcel UtembiTapa, arcebispo de Kisangani. É a primeira visita oficial que ele faz a essa paróquia. Veio para fazer batizados, crismas e primeira comunhão. Aqui faz-se pouco batizado de crianças. Mais são adolescentes e pessoas adultas.

A recepção ao prelado foi feita na rua principal do bairro, na cité, como dizem aqui. Muita criança presente. Canto, oferta de flores, saudação de boas vindas. Depois, caminhada até a matriz. Uns trinta minutos.

A missa começou às 8h45m. Muita gente, dentro e fora da igreja. Apos a homilia do Sr. Arcebispo, os batizados (11 adolescentes), as crismas ( 25 crismandos). A cerimônia durou 1h15m.

Naturalmente, a procissão das ofertas foi longa. Interessante, os que estavam fora da igreja se recusaram a depositar o dinheiro, na cestinha que os coroinhas levaram lá pra fora para receber a oferta. Eles queriam entrar na igreja, dançando para depor o dinheirinho diante do altar. Assim a paróquia perdeu alguns trocados.

Outro momento prolongado foi a oferta dos presentes ao arcebispo, no final da missa. Além do dinheiro que muitos ofertaram, não faltou a oferta singular de banana, abacaxi, folhas de aipim, muchicha, pombinhos (2), galinhas e galos (11) e até dois bodes. Esses entraram solenemente na igreja trazidos por seus ofertantes.

Durante a missa, de repente, vi, com a rabo dos olhos, que um jovem transportava nos braços para fora da igreja, um coroinha. Perguntei o que havia acontecido.

- Não é nada não, padre. Desmaiou por causa da fome. Já comeu e está melhor!

Ao voltar para meu lugar, comecei a refletir: hoje, festa da Eucaristia, o pão da vida. Jesus prometeu um pão que dá a vida e quem comesse desse pão não teria mais fome. Jesus também multiplicou os pães para milhares de famintos. Por que não multiplica também agora para esses pobres coitados, que desde ontem certamente não comeram nada e agora aqui estão servindo a essa prolongada missa com o estômago vazio, que continuará assim provavelmente até o fim do dia??? Pareceu-me ouvir là fundo de mim mesmo esse desafio: “dai-lhes vos mesmos de comer”!! Como, meu Deus, saciar tanta gente?!!!

A missa terminou pelas 13horas.
Pensam que vamos comer? Nada disso. Há agora o grande desfile, diante da igreja. Não é um desfile de modas, não. Não se conhece isso aqui. É o desfile dos grupos paroquiais, das associações, dos movimentos eclesiais, das comunidades de base, que aqui se chamam “Comunidades eclesiais de vida”(CEV). É coisa bem animada. Um grupo de músicos toca e canta, e os diversos blocos passam dançando diante das autoridades e os convidados especiais, sentados na frente da igreja. Nem falta a cerimônia tradicional de saudar respeitosamente essas autoridades com a devida inclinação.

A terceira parte da festa é o almoço para os convidados, poucos, e para os que pagaram ( 2.000 francos congoleses= 2,5 dólares americanos). Foram só 150 pessoas. 2000 francos congoleses é muito dinheiro para a maioria absoluta de nossa paroquia. Pagar 2,5 dólares para um almoço é um luxo. Mas não se pode cobrar menos, pois as coisas são caras aqui. E a paróquia não tem nenhuma condição de oferecer gratuitamente um almoço para seus paroquianos.

O almoço começou às 15h30m. O cardápio, como sempre: arroz, feijão sem caldo, preparado com óleo vegetal, sombe ( folha de aipim), muchicha (outro tipo de legume), carne de galinha, lituma ( banana amassada e misturada, às vezes, com aipim), molho e pilipili ( pimenta), fufu ( tipo de pirão de farinha). Bebida: cerveja, coca-cola, fanta, tônica e água. Como sobremesa, mamão e bolo.

O dia foi bem animado. Tudo decorreu bem segundo os parâmetros daqui. E o sr. arcebispo saiu contente com tudo que viveu e viu, nesse dia, na paróquia de São Gabriel, a primeira da Província Oriental da Republica Democrática do Congo.

Kisangani, 15 de junho de 2009.
P. Osnildo Carlos Klann, scj

sábado, 13 de junho de 2009

João Paulo

Apenas entrei em meu escritório, depois do descanso da tarde, e alguém já batia à minha porta. Mal humorado, pois, nem tinha ainda começado a trabalhar, e já alguém pedindo dinheiro... pensei com meus botões. Abri. Dito e feito. O rapaz de ontem, de novo aqui. Ontem ele veio com uma carta do pai, implorando ajuda para a inscrição na escola. Como aqui eles mentem muito e é preciso ser muito prudente para não ajudar malandros ou crianças que vêm a mando de adultos aproveitadores, disse-lhe que devia esperar, pois queria saber quem ele era, onde morava etc.
Mas nem deu tempo para saber nada dele. Estava ele ali, de novo, diante de mim, com uma cara triste, roupa suja e rasgada, descalço.

- Padre, me dá um terço!

Foi a porta de entrada. Fui buscar o terço; enquanto isso ele se sentou na cadeira à frente de minha escrivaninha. Dei-lhe o terço. E ele, com grande tristeza no rosto e na voz, me disse:

- A gente sofre muito.
Essas palavras caíram como uma bomba em meu coração. Não tive mais duvidas.

- Qual é seu nome?
- João Paulo.
- Quantos anos tem?
- 16.
Pela aparência fisica dava-lhe apenas uns 12 ou 13 anos.
- Quantos irmãos e irmãs você tem?
- 9.
- Que faz seu pai?
- É desempregado. Desde ontem que não como. E essas são minhas roupas!

Como resistir a uma realidade tão bruta como essa? O jovem era sincero. Junto com a ajuda solicitada, dei-lhe um emocionado abraço, pedindo a Deus que o abençoasse.
Quantos João Paulo andam pelas ruas de Simisimi!

de Kisangani, pe. Osnildo Carlos Klann,scj

O relojoeiro

Meu relógio parou. Comprei nova bateria. Não adiantou. Fui procurar um relojoeiro. Encontrei-o sentando atrás de uma pequena mesa, cheia de velhos relógios, com instrumentos primitivos para os consertos: um pedaço de gilete, para raspar a sujeira do relógio, uns panos sujos para limpar as peças, um monte de peças usadas para possíveis futuros usos, tampas de lata para guardar as peças dos relógios desmontados, umas pinças para pegar principalmente, os ponteiros; outras pequenas bugigangas deixavam pouco espaço livre, na mesa, para o trabalho do relojoeiro.

Um congolês de meia idade, de óculos, examinou meu relógio e disse:
- É sujeira.
- Quanto vai custar a limpeza?
- Um dólar!

E ele começou o trabalho. Ofereceu-me, primeiro, o banco a seu lado para sentar. Preferi ficar em pé, diante dele para ver seu trabalho. Desmontou totalmente o relógio. Pensei comigo: vai sobrar peças no fim do trabalho!
Com o pedaço de gilete raspava a sujeira e com um pincel de barba limpava as peças, o mostrador, o vidro...
Terminado esse trabalho, começou a montar o relógio. Sem óculos especiais de aumento. Sem lupa. Só com seus velhos óculos de grau. Recolocar os ponteiros não foi fácil.
Tudo pronto, me entregou o cronômetro. Verifiquei que o ponteiro dos segundos parava, de vez enquanto. Abriu novamente o relógio. Retirou os ponteiros. Recolocou-os no lugar. Dava algumas batidinhas de leve, com a pinça, em cima do ponteiro teimoso. Enfim, tudo funcionava a contento. Consertou também a pulseira.

_ Quanto sai?
- Dois dólares!
- Havíamos combinado um dólar.
- Mas o conserto da pulseira?!!

Apresentei-lhe cinco dólares. Devolveu-me 2.400 francos congoleses.

Não pensem que tudo isso se desenrolou dentro de uma sala, de uma relojoaria. Não. Foi ali, na calçada de uma rua central de Kisangani, perto do mercado central. Ao lado do relojoeiro trabalhava o alfaiate com sua antiga máquina de costura. Costurava um vestido vermelho de menina. Do outro lado, um jovem depositava um saco cheio de mercadorias , em cima de velhas malas. A frente, espalhados pelo chão da calçada sapatos, de homens e mulheres, tênis de marca, certamente todos pirateados, chinelos, panelas, roupas; montes de colchões de espuma; mais adiante, cambistas, com pilhas de francos congoleses, expostos em suas mesinhas de trabalho. Gente inúmera passava por ali ou querendo comprar algo ou vendendo os mais variados produtos, desde amendoim, “baigné” ( espécie de bolinho de trigo) até produtos de beleza para mulheres. Não faltaram os pedintes.
O centro comercial de Kisangani é assim. Um verdadeiro formigueiro. Além das pequenas lojas onde se vende quase de tudo, os camelôs ocupam toda a extensão das calçadas num fantástico mosaico de objetos à venda, provenientes principalmente da China, de Taiwan, de Dubai, de outros paises do Oriente e de paises africanos.

Assim é a nossa Kisangani!

P. Osnildo Carlos Klann, scj

Portal DEHON Brasil

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