Pe Osnildo Carlos Klann, scj

Desde 2007, o padre Osnildo realiza sua missão dehoniana na República Democrática do Congo e, através de reflexões, notícias e informações, partilha suas experiências missionárias.

Para entrar em contato, escreva para ocklann@yahoo.com.br

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Notícias de Butembo

Aproxima-se a festa maior da Igreja católica, a Ressurreição de Cristo. Nessa oportunidade, envio-lhes do coração da África ao coração de cada um de vocês minha fraterna saudação e meus sinceros votos de uma abençoada Festa de Páscoa ! Páscoa lembra vida nova, renascimento. Para cada um de vocês, seja essa festa um renascer de esperança, de alegria, de paz. Num mundo tão conturbado por guerras, violência, injustiças, que sejamos homens e mulheres pascais, isto é, que levem a mensagem cristã de paz, harmonia, solidariedade. Como sempre faço, rezo muito por vocês todos e peço que não se esqueçam de mim em suas orações.

Nossa vida

Graças a Deus, vivemos momentos de calma, depois da turbulência do ano passado. Temos 21 noviços. Número bastante significativo. Mas a quantidade nos preocupa muito em vista da qualidade dos candidatos. Como sabem, nosso noviciado está situado no topo de uma colina, a 1.700 metros de altura, na cidade de Butembo, bem a leste da República Democrática do Congo. A temperatura durante quase todo o ano varia entre 20º e 15º C. A noite pode descer a 10º C. Chove muito ; quase todos os dias. As vezes, chuva forte, tempestade ; mesmo chuva de pedra. Mas logo acaba e vem o sol.

Infelizmente, nossa cidade não possui ainda energia elétrica. Quem pode, tem o gerador. Temos um gerador, mas consome muito combustível, o que encarece muito nossa vida. Funciona três horas e meia por dia. Temos também energia solar. Funciona mais ou menos, pois temos pouco sol. O sonho da internet está quase se realizando. Mas por enquanto, temos ainda que ir à cidade para passar as mensagens. Por isso, nesses dois últimos anos, tenho escrito pouca coisa para vocês. Peço sua compreensão.

Em outras reportagens reclamava das estradas para chegar até nossa casa. Nesses últimos tempos, houve uma sensivel melhora. Ao menos em muitos trechos. Dizem que o Banco mundial patrocinou a recuperação dessa estrada,que leva para um centro de mineração a 100 quilômetros daqui. Além dessa melhoria, os chineses estão asfaltando o centro da cidade. 12 quilômetros. Os primeiros quilômetros de asfalto numa cidade de 700 mil habitantes, segundo Google.

Estamos caminhando para o fim do ano de noviciado. Aqui o noviciado termina em julho. Vamos ter uma profunda modificação no itinerário formativo de nossa província congolesa: o noviciado será feito após a filosofia. Portanto, durante três anos, essa casa de Butembo não será mais noviciado, mas abrigará o curso propedêutico. O Provincial já me disse que eu continuaria aqui, apesar de muitos quererem que eu vá para Kisangani de novo, para participar da equipe formadora do curso de filosofia. Eu não faço escolha. Estou bem aqui, como estarei bem também em Kisangani. Coloco-me à inteira disposição de nossa província.

Vocações

A diocese de Butembo-Beni é um celeiro de vocações. Penso que seja a diocese mais rica vocacionalmente, na República Democrática do Congo. Muitas congregações religiosas, masculinas e femininas têm casas de formação aqui. O clero secular é muito numeroso. Exporta inclusive padres para a Itália e outros países da África.

Nossa Congregação está aqui, faz pouco tempo. Temos uma paróquia, bem retirada do centro e perto da paróquia, o nosso noviciado. Sem fazer muita propaganda vocacional os candidatos que nos procuram são numerosos. Vêm de paroquias distantes, seja daqui de nossa cidade, seja de cidades vizinhas. Não temos seminários menores , como antigamente. Os candidatos desses graus de escolaridade ( 1º e 2º) ficam em casa e mensalmente vêm aqui para participar de um dia de formação e para o acompanhamento espiritual. Eles não possuem meios de transporte a não ser a « empresa canela ». Mas eles vêm a pé mesmo, percorrendo, às vezes debaixo de chuva, 12, 14 ou mesmo mais quilômetros para chegarem aqui. Admiro muito a disposição e a força de vontade desses jovens congoleses.

Estou visitando, aos domingos, os candidatos que talvez ano que vem, serão nossos propedeutas. Todos, muito pobres. Moram em casa de bambu e barro. Sem assoalho. Cortinas fazem as vezes de janelas e portas. Para chegar à suas residências, é preciso ter resistência para subir e descer morros. A cidade de Butembo é muito montanhosa. E em todas as casas onde se vai, apesar da pobreza, eles fazem questão de oferecer um almoço. Simples, evidente : arroz ou batata, feijão, talvez um pedaço de carne, às vezes couve ou folha de aipim. Tudo oferecido com muito carinho e amor. Um detalhe cultural: as mulheres preparam tudo, servem e depois se retiram. Elas não comem junto com as visitas. O problema era como fazer para aguentar quatro almoços no mesmo dia!!! Um depois do outro!!! Era preciso aceitar para não magoar as pessoas.

Eleições 2011

Nesse ano, teremos eleições presidenciais na República Democrática do Congo. Eleições, na maior parte dos países africanos, é sinônimo de agitação, de guerra, de violência, de contestações. Por exemplo, Costa de Marfim. Já nos foi dito que aqui a coisa não será muito calma também, principalmente, nas grandes cidades. A oposição está dividida e a grande imprensa, a maioria dos canais de TV « divinizam » o atual presidente Kabila, que está no poder já há 10 anos e é candidato à reeleição. Não é um mau presidente, mas ainda não conseguiu debelar a maior praga do país que é a corrupção, que sufoca todo esforço para melhorar a situação do povo, que vive, em sua grande maioria, na miséria. Além do ensino, que é verdadeiramente uma calamidade, o problema da insegurança , da violência, constitui um desafio enorme para esse país. O povo não tem escolas dignas e segurança de vida. Faltam também os meios de transporte, porque não existem as estradas. Está-se fazendo um esforço grande, com a ajuda dos chineses, para recuperar a rede rodoviária. Apesar da precariedade com que se vive aqui, amo essa terra e rezo para que um dia esse povo possa realmente viver uma vida digna, na paz e na liberdade.

Agradecimentos

Mais uma vez quero expressar meu sincero agradecimento a todos os amigos e amigas, benfeitores e benfeitoras brasileiros que me ajudaram durante minhas férias e que generosamente me deram um apoio muito grande para continuar minha missão aqui nessa terra. Sei que muitos continuam depositando sua valiosa colaboração em minha conta do Bradesco ( Agência 0356-5, conta nº 1003683-6). A todos eles e elas meu fraterno « muito obrigado ». Cada mês rezo uma missa por todos vocês. E diariamente na missa e na adoração ao SS Sacramento, trago vocês em meu pensamento e em minhas preces. Trabalho com amor e dedicação nessa terra africana, mas não me desligo de todos vocês que me sustentam nessa missão. Fiquem com Deus !

P Osnildo

Butembo, 9 de abril de 2011

P.S. Se desejar ver algumas fotos de nosso lindo noviciado abra o blog : noviciadokiraghoscj.blogspot.com

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Santa indignação

Voltando para casa,dia 25 de janeiro de 2011, ficamos sumamente indignados. Na altura do Bairro Komba, as autoridades montaram um nova barreira, para cobrar pedàgio da pobre gente que vai à cidade vender seus poucos e humildes produtos da terra. Indagado sobre quem mandara erguer a barreira, o responsável disse ter vindo a ordem de Kinshasa.
Na altura da paroquia Benaventurado Bakanja, em Kiragho, havia um pedàgio. A partir dos ataques dos Mayi-mayi, os militares ocuparam aquele espaço e os homens do pedàgio se retiraram. Acontece que os militares, por sua vez, começaram também a exigir dos transeuntes dinheiro. Dinheiro extorquido. Os bispos da RDC, em carta por ocasião de cinquentenario da independência nacional, jà haviam alertado: queremos um exército digno que defenda o povo, não que o ataque e o maltrate. Esse comportamento de militares é frequente, infelizmente.
Agora foi feita uma nova barreira de pedàgio. Os pobres transeuntes, em Komba, devem pagar para o Estado o pedàgio, e na altura de Kiragho, alguns quilômetros à frente, pagam para os militares, que não deixam passar se não se soltar algum dinheiro.
Indignado, perguntei ao senhor da barreira de Komba, para onde ia o dinheiro arrecadado, pois nossas estradas aqui são intransitàveis. (Agora melhorarm por causa da ajuda externa que vem em socorro para facilitar o escoamento dos produtos agricolas dessa região). Ele não sabia responder. O Estado cobra o pedàgio, cuja resultado desaparece misteriosamente.
Tanto o P. Paul, como os noviços congoleses que estavam conosco, e eu ficamos todos sumamente indignados. O Governo em vez de ajudar, atrapalha. Certamente, os grandes negociantes da cidade de Butembo, os comerciantes, os donos de hoteis ludibriam o governo, sonegam impostos. Os pobres é que devem pagar a conta.
Em visita a nosso noviciado, expusemos ao coronel Onesimo o que estava acontecendo aqui em relação ao pedàgio dos militares. Sensível a nossa reivindicação em favor do povo, ele proibiu a cobrança de qualquer pedàgio por parte dos soldados do exercito congolês.

Kiragho, fevereiro de 2011.
P Osnildo Carlos Klann, scj

domingo, 30 de janeiro de 2011

Mãos vazias

Cheguei cedo para a concelebração das 9h30m, dia 23 de janeiro de 2011, na paroquia Bemaventurado Isidoro Bakanja. Fui sentar-me num longo e baixo banco da matriz. Imediatamente um pensamento me assoltou violentamente: estou já nos meus 73 anos de vida, 46 de sacerdócio, 53 de vida religiosa. Que fiz até agora para o Reino de Deus? Olhando para trás, tive a impressão de ter chegado a essa data com mãos vazias. Uma tristeza imensa me invadiu. Uma furtiva lágrima escapuliu do canto de meus olhos. Meu Deus, será que minha vida foi inútil, estéril até esse momento? Se hoje devesse prestar contas da adminitraçâo do dom de minha existência, tão rica em dons de Deus, que poderia apresentar a meu Senhor? Pelo longo e duro caminho de minha vida, procurei, é verdade, semear o bem, partilhar os dons que Deus me deu ... mas também, quanto erro, quanta falta de fidelidade, de amor, de fraternidade,de compreensão...
Era hora de começar a celebração. Levantei-me, preparei-me para a sagrada eucaristia. Ali veio-me a consolação: não é preciso temer, porque no fim da linha de nossa passagem terrena, vamos encontrar um Pai misericordioso, que olha mais para o pouco bem que a gente tenha podido praticar que para o mal que nossa fraqueza nos leva a fazer. Deo gratias.
O valor de nossa vida não está em fazer grandes coisas, mas em fazer com amor e dedicação as pequenas coisas de cada dia de que é feito o nosso existir terreno.

Kiragho, aos 23 de janeiro de 2011.
P Osnildo Carlos Klann, scj

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